O fim da obrigatoriedade de pagamento do imposto sindical, em vigor desde o início do ano, preocupa sindicatos patronais e de trabalhadores. As entidades empresariais, que arrecadam a contribuição em janeiro e fevereiro, serão as primeiras a sentir a sentir a queda de receita nas contas e por isso já começam a reduzir custos e repensar suas operações.
Caso o impacto no caixa seja maior que as estimativas, as entidades patronais não descartam uma mobilização pela volta do imposto, mesmo depois de apoiarem o fim da taxa. Uma confederação patronal já entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com ação direta de inconstitucionalidade, que se soma a outros seis processos de entidades laborais, contra esse ponto da reforma trabalhista.
Em 2017, o imposto repassou R$ 3 bilhões para centrais, confederações, federações e sindicatos que representam empresas e trabalhadores. Outros R$ 587 milhões foram para conta do Ministério do Trabalho que paga, entre outras coisas, o seguro-desemprego. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima que as entidades perderão, em média, 70% de suas receitas agora que o pagamento não é mais obrigatório. Se esse cenário se confirmar, a arrecadação cairia para R$ 900 milhões.
A maioria das organizações patronais consultadas pelo Valor segue enviando normalmente aviso de cobrança da contribuição, com a esperança de continuar recebendo, e ainda aguarda o fim do período de arrecadação para decidir o que fazer. Mas muitas já começaram campanhas de filiação de novas empresas de olho no dinheiro das mensalidades e passaram a cobrar por serviços antes gratuitos. Outras partiram para o corte na carne: demissão de funcionários, terceirização e redução de despesas em geral.
Mesmo com 70% das receitas vinculadas ao imposto, o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) defende há anos o fim da taxa. Sua preparação para a vida sem ela começou há sete meses. A “lição de casa”, conta José Romeu Ferraz Neto, presidente da entidade, incluiu corte de 46 dos 96 funcionários, terceirização do departamento de contabilidade, digitalização da revista impressa produzida pela casa e cobrança por acesso a conteúdos no site da entidade e serviços de assessoria jurídica, ambos gratuitos até a entrada em vigor da reforma trabalhista.
Nos últimos meses o Sinduscon-SP dobrou o número de associados – começou o ano com mil membros num universo de 13 mil empresas representadas pelo sindicato. “Estamos no meio de uma transição, mandando carta para todas as empresas. Elas podem se transformar em associadas pelo mesmo valor [gasto anualmente com o imposto sindical]”, diz Ferraz Neto.
O presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de São Paulo (Sindilojas-SP), Ruy Pedro de Moraes Nazarian, relata que dificilmente conseguirá manter intacto o quadro de 55 funcionários sem os R$ 2 milhões que recebia anualmente de imposto sindical. “Por enquanto estamos tentando manter, mas no frigir dos ovos vamos ter que mandar gente embora. Sem a obrigatoriedade ninguém vai pagar nada e não será fácil arrumar mais sócios”, afirma o dirigente.
No Sindicato da Indústria de Artigos e Equipamentos Odontológicos, Médicos e Hospitalares (Sinaemo) e no Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos para Fins Industriais e da Petroquímica (Sinproquim), ambos no Estado de São Paulo, as estimativas de perdas com a falta das receitas do imposto sindical variam de 30% a 65%. Mesmo assim as entidades informam que mantêm “operações enxutas”, com poucos funcionários, e pretendem intensificar a filiação de novos associados e a oferta de novos serviços.
A Confederação Nacional da Saúde (CNS) reunirá sua diretoria em 13 de março para avaliar o impacto das novas regras e decidir como se adaptar. A entidade é favorável ao fim do imposto obrigatório, diz seu presidente, Tércio Egon Kasten, mas acredita que mudança deveria ser gradual. “Temos estrutura enxuta, de 16 funcionários, mas precisaremos fazer cortes. Nossas federações também já estão fazendo o ‘dever de casa’. Será difícil fazer a assistência que desejamos aos nossos associados”, afirma.
Segundo Kasten, a confederação pretende pressionar pela volta do imposto – o Congresso rediscute pontos da reforma trabalhista numa medida provisória (MP). Mas ele reconhece que é um esforço caro e complicado. “Temos em torno de 300 mil estabelecimentos associados, mas que médico vai largar o consultório para protestar em Brasília?”, questiona. Esse tipo de mobilização é caro, acrescenta, e incompatível com as restrições orçamentárias impostas.
Das sete ações no STF para tentar revogar a mudança, apenas uma é de entidade patronal, da Confederação Nacional do Turismo (CNTur). “Muita gente vai quebrar. Só quem recebe dinheiro do Sistema S é que está tranquilo”, diz o diretor-executivo da CNTur em Brasília, José Osório Naves, sobre as entidades sindicais que lideraram a campanha pelo fim da contribuição.
O Sistema S, formado por Sesc, Senac, Sesi e Senai, entre outros, recebeu R$ 19,1 bilhões em dinheiro público em 2016 para treinamento profissional, assistência social, lazer e saúde para cada categoria. É mais de seis vezes todo o imposto sindical, patronal e laboral, recolhido no mesmo ano. Como mostrou o Valor em agosto, as confederações nacionais e federações regionais da indústria e do comércio, como CNI e CNC, ficaram com R$ 1 bilhão para fazer a “administração” dos recursos – gasto, contudo, que já está previsto em outros R$ 500 milhões, destinados aos departamentos administrativos de Sesc, Sesi, Senai e outros.
Diretor-executivo da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Bruno Batista diz que, para as entidades que contam com recursos do Sistema S, o imposto representa 11% do orçamento. Para os sindicatos, no entanto, a contribuição é hoje a principal fonte de recursos. “Estamos orientando nossos filiados a diversificarem fontes de receitas e fazerem campanhas de divulgação dos serviços prestados e da importância de colaborar. ”
O deputado federal Láercio Oliveira (SD-SE), presidente da Federação do Comércio de Sergipe (Fecomércio-SE), disse que, entre os sindicatos de sua base, a estimativa é de perdas de até 40%. “De repente, se [a queda na receita] for de 70%, mais que isso, talvez crie um novo ambiente, uma mobilização pela volta do imposto, mas por enquanto a ordem é oferecer mais serviços”, afirma. A federação tem intermediado a venda de planos de saúde para empresas, oferece serviço de certificação digital e vende publicidade em sua revista institucional.
Segundo Batista, a CNT já previa perder recursos quando decidiu apoiar o fim do imposto, por entender que era parte importante da modernização do país. Para ele, é possível que uma receita muito inferior à esperada leve a pressão por nova mudança, mas isso é pouco provável. “É um ano complicado, com eleição, difícil imaginar que teria resultado”, disse. A confederação aguarda o fim do período de arrecadação para decidir onde e quanto cortar.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC), uma das que apoiaram o fim da obrigatoriedade da contribuição, diz que ainda não é possível saber o impacto, porque a arrecadação está em curso, mas orientou os filiados a trabalharem pela “autossustentabilidade”, com oferta de produtos e serviços e administração eficiente do dinheiro. “A CNC espera, no entanto, que sejam criadas alternativas para substituir a contribuição, preservando as atividades de representação”, afirmou em nota.
Para o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, as entidades patronais “começam a perceber a confusão em que se meteram” só agora, perto do fim do período de arrecadação, mas ele não acredita em mudança de posição tão cedo. “Se fizerem lobby a favor do imposto, será uma ação muito discreta”, analisa. Segundo ele, a concentração de recursos do Sistema S nas confederações e federações também mudará a “geopolítica” sindical: federações ficarão muito fortes e influenciarão diretamente as eleições dos sindicatos (que, por sua vez, elegem o presidente das federações, que elegem as confederações).