[ Estadão ] “Reforma tributária impõe alerta total para o setor de saúde”, por Breno de Figueiredo Monteiro

Em artigo publicado na coluna de Fausto Macedo do jornal Estadão, o presidente da CNSaúde, Breno de Figueiredo Monteiro, detalha os efeitos perversos da proposta de aplicação da alíquota de 12% da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) no setor de serviços de saúde.

Segundo Monteiro, “haveria os seguintes impactos: 80% de aumento na carga tributária, que passaria de 9,9% para 17,7%; 7,4% de aumento nos preços dos serviços para o consumidor; e considerando que haverá ainda um aumento de 5,2% nos preços dos planos de saúde, a consequente redução na demanda por serviços de saúde privada é estimada em R$ 4,6 bilhões anuais.” 

O presidente da entidade também destaca o reflexo negativo nos quesitos de manutenção e geração de empregos. E lembra que os efeitos da aplicação da CBS sobre o setor de saúde vão na contramão do que se pratica na maioria dos países.  

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Reforma tributária impõe alerta total para o setor de saúde

 

É preciso reconhecer no projeto de reforma levado ao Congresso pelo Governo Federal, um esforço, ainda que tímido, para dotar o sistema tributário de maior racionalidade e eficiência. Entretanto, o projeto precisa ser adequado às diferentes realidades dos setores econômicos ou acabará por criar um desequilíbrio na distribuição da carga de impostos, penalizando alguns em detrimento de outros. Entre os setores penalizados, caso seja aprovado o projeto nos moldes propostos, está o dos prestadores de serviços de saúde, constituído por hospitais e laboratórios. Penalizados, também, serão os consumidores, que terão de pagar mais pelos serviços ou deixar de consumi-los.

A proposta de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unificando num só imposto o PIS e o Cofins, foi anunciada como a primeira de três etapas no cronograma reformista do Ministério da Economia e veio acompanhada da promessa de que, nas etapas subsequentes, providências serão tomadas para mitigar as distorções que ocorrerão na etapa inicial. Ao revelar a intenção de promover a desoneração da folha de pagamentos das empresas e, com isso, contrabalançar o custo da reforma no setor de serviços, as autoridades econômicas admitem tacitamente a injustiça contida na dita primeira etapa da reforma. A promessa da desoneração, todavia, estaria condicionada à criação de um novo imposto a ser aplicado sobre transações e operações digitais. Em termos realistas, esse futuro é imponderável. Não é possível saber ser haverá a desoneração, mas já sabemos que mesmo que isso ocorra, ela não será suficiente para compensar o custo excedente. O que resta, portanto, é apenas a certeza imediata de que o setor de serviços será penalizado de maneira definitiva.

Assim será, de fato, caso a proposta governamental não passe por uma adequação. Como tem sido alertado ao governo pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), a mesma alíquota de 12% da CBS tem impactos completamente diferentes quando aplicada a uma indústria ou a uma empresa de serviços de saúde. A diferença reside no fato de que a indústria pode abater do imposto a recolher, como crédito, aquilo que já foi recolhido pelos seus fornecedores de insumos. Nas empresas de saúde, há muito pouco a abater, pois o seu principal “insumo” é a mão-de-obra. Logo, o impacto do imposto se dá de forma plena.

Os efeitos perversos da aplicação da alíquota de 12% da CBS no setor de serviços de saúde podem ser constatados em estudo realizado pela CNSaúde. Segundo este levantamento, haveria os seguintes impactos: 80% de aumento na carga tributária, que passaria de 9,9% para 17,7%; 7,4% de aumento nos preços dos serviços para o consumidor; e considerando que haverá ainda um aumento de 5,2% nos preços dos planos de saúde, a consequente redução na demanda por serviços de saúde privada é estimada em R$ 4,6 bilhões anuais.

Tamanha bomba tributária explodiria um setor que emprega 2,2 milhões profissionais diretos e que está entre os poucos que têm contribuído positivamente para a geração de postos de trabalho durante a crise. Afetaria uma rede de 6 mil hospitais, entre os quais, os estabelecimentos de pequeno e médio porte já vêm enfrentando enorme dificuldade devido à crise econômica, à carga de impostos e à redução dos gastos em saúde. Nos últimos 10 anos, segundo levantamento da CNSaúde, 2.127 hospitais privados fecharam. Por fim, impactaria negativamente também os mais de 30 mil laboratórios e mais de 250 mil estabelecimentos de saúde. Some-se a isso, a circunstância de agravamento da saúde financeira dos prestadores de serviços em decorrência da suspensão de procedimentos médicos, imposta pelo isolamento social e pelas medidas de emergência de combate à Covid-19.

O impacto tributário alcançaria, também, o bolso do consumidor, alimentando a já insuportável inflação na saúde. Seria assim um elemento a mais a pressionar os beneficiários de planos de saúde a reduzir os cuidados com a própria saúde ou a apelar para o SUS como último recurso, onerando o Estado por outra via.

Por fim, cabe destacar que os efeitos da aplicação da CBS sobre o setor de saúde vão na contramão do que se pratica na maioria dos países. Em todo o mundo, a saúde, por ser um serviço essencial e pela sua importância para a qualidade de vida da população, recebe um tratamento tributário diferenciado. Isso ocorreu em 82% dos 117 países que adotaram o IVA, sendo que em 73% desses países a saúde goza do direito à isenção total. Se o Estado não tem recursos para bancar uma política com tamanha amplitude, ao menos que não faça o contrário, aumentando a carga da saúde, um setor que neste momento duro da vida dos brasileiros deu, mais uma vez, enorme prova do seu valor para o país.

Breno de Figueiredo Monteiro, presidente da CNSaúde

Artigo publicado em 18/08/21 no Estadão.