Sobre o estudo que apresenta estimativa de desperdícios e fraudes na saúde suplementar, publicado em 07/09/2018 pelo Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) esclarece o seguinte:
A CNSaúde entende como muito relevante o debate sobre desperdícios na saúde. Acreditamos que esse assunto é premente em um país ainda em desenvolvimento e que assiste a um rápido envelhecimento de sua população. Ademais, entendemos que usar de forma racional os recursos é a única forma de mantermos sustentável o acesso à saúde, tanto no âmbito público como privado.
Por isso mesmo, acreditamos que o debate sobre como evitar desperdícios, um mal presente em todos os campos da atividade econômica, deve se dar a partir de um debate qualificado, amplo e com bases técnicas. Nesse sentido, vimos com bastante preocupação e estranheza o estudo feito pelo IESS, entidade vinculada e patrocinada pelas seguradoras de planos de saúde. Não nos parece que o estudo esteja baseado em premissas metodológicas corretas para que possamos fazer o debate dos desperdícios de forma responsável e construtiva.
Em primeiro lugar, é importante notar que os valores atribuídos a desperdícios e fraudes foram feitos com base em percentuais “estimados” por uma outra fundação ligada às seguradoras (Funenseg) em estudo publicado há 12 anos (2006). Portanto, os valores percentuais atribuídos pelas operadoras como evidências de práticas fraudulentas e divulgados com o frescor de uma nova notícia, são meramente uma opinião das próprias operadoras em estudo da década passada, desenhado e financiado por elas. Dessa forma, a decisão sobre o que é ou não desperdício não levou em consideração a opinião dos profissionais médicos que prescreveram tais terapias e exames, mas apenas a opinião de quem contratou o estudo à época.
Em segundo lugar, o estudo deixou de avaliar outras fontes importantes de desperdício. Seria de fundamental importância, por exemplo, entender quais foram, no mesmo período, os gastos provocados pela falta de gestão assistencial por parte das operadoras, ao deixar de coordenar o cuidado e fazer prevenção. Não foram contabilizados como desperdício, por exemplo, gastos desnecessários com um paciente submetido a uma nova intervenção cirúrgica por falta de cuidados ambulatoriais pós-cirúrgicos. Tampouco foram computados gastos com pacientes que poderiam ser tratados precocemente, a custo menor e com melhores resultados. Atrasos, quase sempre ocasionados pela demora injustificada na autorização dos procedimentos, também geram custos financeiros dispensáveis, desperdícios de tempo, e muitas vezes implicam em impactos na saúde dos beneficiários.
Em terceiro lugar, é importante lembrar que a atividade de intermediação financeira, feita pelas operadoras de planos de saúde entre beneficiários e prestadores, também gera custos administrativos, financeiros e de comercialização que poderiam ser melhor dimensionados, gerando mais recursos para a assistência. Segundo dados da ANS, em 2017, essa despesa não assistencial das operadoras[1] foi de R$ 41.4 bilhões. Seria importante que fossem pensadas estratégias para trazer parte desses recursos, que são pagos com dificuldade pelos beneficiários, de volta para a assistência.
O mercado vem evoluindo para reduzir desperdícios. Muitos prestadores tem trabalhado para revisar gradualmente modelos de pagamentos para alguns serviços e focado em ações para a melhoria da qualidade da assistência e da segurança dos pacientes. Esse processo tem se dado a partir do diálogo e da construção de caminhos na âmbito privado, sem a necessidade de um aumento na já pesada carga regulatória sobre prestadores e em novas interferências na ação empresarial. O modelo de pagamento por “capitation reverso” por exemplo, que vem sendo implementado por alguns prestadores filiados à CNSaúde é um modelo disruptivo que alinha de forma inequívoca e perene interesses, hoje conflitantes, entre usuários, operadoras e prestadores.
O fato é que há caminhos privados para a busca de melhor valor para beneficiários. Tais caminhos tem o condão de eliminar entraves burocráticos no acesso aos serviços pelo beneficiário, trazer o foco para a prevenção de doenças, propiciar a sustentabilidade de todos os entes da cadeia de atendimento, bem como promover um controle geral da sinistralidade e dos preços para o consumidor. Esse envolvimento na busca de novos modelos está em linha com o entendimento de que o debate sobre desperdícios é fundamental para que a sociedade se beneficie cada vez mais de tecnologias inovadoras e de serviços de saúde de qualidade.
É preciso uma análise equilibrada uma vez que somente o setor hospitalar privado já perdeu nos últimos 8 anos mais de 31 mil leitos. Nesse sentido o estudo do IESS, ao se basear em extrapolações simplistas e contorcionismos metodológicos, não contribui para a construção de um caminho melhor. Estudos sem embasamento técnico como esse, bem como clamores pontuais pelo estabelecimento de regulações adicionais sobre um setor já fortemente regulado, não são a solução para a melhoria do relacionamento entre os atores da cadeia e muito menos para aquilo que a CNSaúde considera fundamental: propiciar serviços de saúde mais eficientes, mais integrais e de maior valor para as pessoas.
[1] Soma das despesas administrativas, despesas de comercialização e outras despesas operacionais.